Santa Comba Dão homenageou, nos dias 1 e 2 de junho, um ilustre filho da terra - José da Silva Carvalho - um dos principais obreiros da revolução liberal de 1820 e um dos mais notáveis santacombadenses, natural de Vila Dianteira, freguesia de São João de Areias.
Marcado pela participação de um reputado leque de intervenientes, que deu a conhecer o homem, a obra e o seu papel determinante na revolução liberal de 1820, o colóquio "José da Silva Carvalho e o Bicentenário da Revolução Liberal", reuniu um elevado número de participantes numa iniciativa que aliou a cultura à promoção da história e do conhecimento.
A organização foi do Município de Santa Comba Dão, que contou com as parcerias do Centro de Formação da Associação de Escolas do Planalto Beirão e da Associação de Estudos do Baixo Dão (AEBD).
Foi mais um momento marcante, enquadrado na ampla agenda de eventos que a autarquia promove entre 2018 e 2020, duzentos anos depois da fundação do Sinédrio, associação revolucionária que esteve na génese da revolução liberal, que eclodiu no Porto a 20 de agosto, trazendo ao nosso país os ideais da “liberdade, igualdade e fraternidade”.
O Colóquio - Abertura
Na abertura do encontro, o presidente da Câmara, Leonel Gouveia, saudou os oradores, parceiros e participantes, deixando uma palavra especial à Associação de Estudos do Baixo Dão, pelo "trabalho notável desenvolvido sob o ponto de vista cultural".
O representante máximo da autarquia enquadrou o colóquio na celebração do Dia do Município, um momento de comemoração do território e das suas gentes, reiterando uma das frases mais emblemáticas da intervenção que proferiu a 30 de maio: "a maior riqueza de Santa Comba Dão são as pessoas", fazendo a ponte com a homenagem a José da Silva Carvalho, que classificou como um dos maiores santacombadenses de todos os tempos. Na sua intervenção aludiu ainda ao papel essencial de António Neves - principal impulsionador desta iniciativa, a quem agradeceu o empenho e dedicação, em mais uma referência à riqueza de Santa Comba Dão e dos santacombadenses.
Rosa Carvalho, Diretora do Centro de Formação da Associação de Escolas do Planalto Beirão, salientou a importância desta homenagem e a mais-valia do primeiro dia corresponder a uma ação de curta duração acreditada. A presença de 64 professores, dos grupos de história, filosofia, economia e português, foi considerada relevante por esta representante, que fez questão de sublinhar a importância da aplicabilidade, em contexto escolar, de todo o conhecimento apreendido neste colóquio, conduzido "por um excelente painel de oradores" . Rosa Carvalho deu os parabéns ao presidente da Câmara, Leonel Gouveia, pelo investimento e apoio às várias iniciativas desenvolvidas no âmbito da educação / formação.
Nuno Siqueira, trineto de Silva Carvalho, falou sobre a ligação da família a Santa Comba Dão e sobre a casa de José da Silva Carvalho, que ainda hoje é mantida pela família, em Vila Dianteira, sublinhando que a memória do político liberal continua a ser perpetuada entre as novas gerações.
Por fim Suzana Menezes, Diretora Regional de Cultura do Centro, sublinhou a relevância do programa comemorativo do bicentenário da revolução liberal, fazendo um enquadramento da época e do papel desempenhado por Silva Carvalho "num momento especial na história do nosso país". "Estamos perante um homem cuja vida foi dedicada, de forma irredutível, a uma causa, a uma verdade, a uma revolução, mantendo-se sempre disposto a pagar o preço pela sua radicalidade [esteve no exílio três vezes, mantendo-se afastado da família por largos períodos]", concluiu.
As comunicações - Colóquio
Após a sessão de abertura, a iniciativa prosseguiu com um período informativo e de debate, marcado pela apresentação de comunicações por parte de um amplo e conceituado painel de oradores, e uma agenda de visitas a diversos locais, testemunhos da passagem de José da Silva Carvalho pelo concelho.
A intervenção de António Neves, coordenador do programa comemorativo "1818-1820 | 2018-2020 | José da Silva Carvalho e o Bicentenário da Revolução Liberal de 1820", deu o arranque aos trabalhos, com a apresentação de uma breve biografia do homenageado, que enfatizou a sua presença em Vila Dianteira e na região. A intervenção assentou em três pontos essenciais: a origem familiar do homenageado, as amizades liberais na região e as vozes contra o esquecimento, que têm mantido vivo o nome de José da Silva Carvalho.
Logo na introdução, António Neves desmistificou a origem plebeia do homenageado, situando os ascendentes de Silva Carvalho entre uma burguesia rural, com elevada influência da região. Enquanto traçava o perfil de Silva Carvalho, o coordenador das comemorações falou da importância do esconderijo existente na casa de Vila Dianteira - o porto de abrigo do político português - naquele que foi o segundo exílio no estrangeiro, ocasionado pela perseguição feroz que D. Miguel moveu aos liberais. Tratou-se de um episódio curioso que o povo desta aldeia guardou na memória e transmitiu de pais para filhos. Diz a tradição oral, que José da Silva Carvalho tinha um esconderijo secreto numa das lojas de sua casa, oculto por uma parede falsa. Aquando da perseguição, foi aí que se escondeu, tendo escapado vestido de criada e dando comida às galinhas, para depois se refugiar num palheiro em Santa Comba Dão.
António Neves deu, ainda, conta das amizades liberais de Silva Carvalho e dos aliados que tinha na região, presos por altura das devassas movidas pelo rei - "estrelas menores da constelação de Silva Carvalho". Estes "mártires da liberdade" - de vários estratos sociais e profissões - foram evocados pelo coordenador das comemorações, através da leitura dos seus nomes.
António Neves elencou, igualmente, os marcos contra o esquecimento da memória do estadista liberal, salientando a obra, em três volumes, do neto de Silva Carvalho, António Viana - "José da Silva Carvalho no seu tempo" - que reúne correspondência e apontamentos políticos, bem como a doação, pelos trinetos de Silva Carvalho, do fundo documental do estadista à Torre do Tombo. Por fim, anunciou algumas das atividades integradas no programa comemorativo do bicentenário da revolução liberal e da homenagem a Silva Carvalho, nomeadamente o encontro sobre Silva Carvalho e a maçonaria, a ter lugar em outubro deste ano, e a preparação de um livro de banda desenhada sobre a vida do político liberal.
O percurso político, social e a influência da visão de Silva Carvalho no seu tempo foram objeto de análise por parte dos intervenientes neste primeiro dia do colóquio (cujas comunicações serão disponibilizadas, oportunamente, na íntegra). Os temas abordados relacionaram-se com as revoluções liberais na Europa e em Portugal e o papel determinante que José da Silva Carvalho teve na revolução liberal de 1820, com enfoque nos importantes cargos que assumiu em diferentes reinados, na influência que teve no desenvolvimento de áreas estruturantes para o país e na sua forte ligação com a maçonaria.
Ana Cristina Araújo, do Departamento de História, Arqueologia e Artes da Universidade de Coimbra falou sobre o Tempo de José da Silva Carvalho, caracterizando a época e as revoluções liberais, que ocorreram noutros países Europa e que contribuíram para as fundações da revolução liberal portuguesa. Depois deste enquadramento, Maria João Mogarro, do Instituto de Educação, Unidade de Investigação & Desenvolvimento em Educação e Formação, da Universidade de Lisboa, prosseguiu os trabalhos, dando a conhecer o papel de José da Silva Carvalho no contexto da revolução liberal de 1820. Para traçar este retrato, elencou cronologicamente os acontecimentos mais relevantes, situando José da Silva Carvalho nos diferentes contextos do período histórico retratado.
Seguiu-se a intervenção de José Luís Cardoso, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que falou sobre "José da Silva Carvalho, o vintismo e o Governo do Reino (1820-1823)". A comunicação deu a conhecer o papel do político liberal de Santa Comba Dão no quadro desta época histórica, em que surgiram as Cortes Constituintes vintistas, consideradas como o primeiro parlamento português no sentido moderno do conceito.
Posteriormente, Luís Nuno Espinha da Silveira, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade de Lisboa, deu a conhecer a postura liberal de José da Silva Carvalho, enquanto ministro da Fazenda, no contexto da intervenção "Em defesa do Deficit das Contas Públicas. José da Silva Carvalho como ministro da Fazenda (1833-1836)". Ainda relativamente aos cargos ocupados por Silva Carvalho durante a época liberal, Luís Bigotte Chorão, historiador e doutor em História pela Universidade de Coimbra, abordou o papel determinante que o estadista teve como ministro da Justiça, trazendo para o exercício do cargo os ideais que enformam o liberalismo. O orador enquadrou igualmente, o papel de Silva Carvalho enquanto fundador e primeiro presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Imbuído dos valores do liberalismo, José da Silva Carvalho, à época, já realçava a necessidade de se combater a criminalidade em Portugal, intervindo no combate à pobreza e na promoção da instrução pública.
Do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa, José Adelino Maltez foi protagonista do última intervenção do dia 1 de junho, apresentando uma comunicação sobre "O conceito de liberalismo prático de José da Silva Carvalho e o seu papel de liderança na construção do regime cartista". O orador enquadrou o cartismo, que resulta do fracionamento dos grupos de liberais e que corresponde a uma tendência mais conservadora do liberalismo, centrada em torno da Carta Constitucional de 1826. Para Adelino Maltez, José da Silva Carvalho, acaba por ter, à época, um relevante papel , constituindo-se como um "king maker", um construtor da história portuguesa. Sobre a maçonaria, o orador levantou o véu acerca de alguns dos lugares ocupados por Silva Carvalho dentro desta organização, que teve uma influência determinante nos acontecimentos da época.
No final do primeiro dia de colóquio, os participantes e oradores, presentes na Casa da Cultura, foram brindados com um concerto da Camerata de Cordas do Conservatório de Música e Artes do Dão.
No domingo, 2 de junho, a agenda contemplou a comunicação de Silvestre de Almeida Lacerda, Diretor da Torre do Tombo, sobre o Fundo Documental de José da Silva Carvalho, no Arquivo Nacional. O orador deu a conhecer o funcionamento e organização documental da Torre do Tombo, falando sobre o fundo do estadista doado pelos trinetos, o qual é composto por "uma informação variada e muito rica". O fundo doado constitui um legado ímpar para o estudo do período do liberalismo, contribuindo ainda para traçar e aprofundar o preenchido percurso político de Silva Carvalho.
Silvestre Lacerda anunciou que já pode ser feita a pesquisa online de parte desta documentação, que continua a ser digitalizada na Torre do Tombo. Se fizermos uma pesquisa avançada da base de dados da Digitarq, do site da Torre do Tombo (digitando as iniciais de José da Silva Carvalho - JSC) podem ser solicitados registos com ou sem apresentação digital.
Durante a sua comunicação, SilvestreLacerda deu ainda conta da referência a Santa Comba Dão no fundo documental de Silva Carvalho, nomeadamente o documento da Câmara Municipal, relativamente ao juramento da carta constitucional. E como este é um fundo em crescimento, o próprio cartaz da comemoração do bicentenário e deste colóquio vai ser registado para memória futura.
Nuno de Siqueira, trineto de José da Silva Carvalho evocou a "Memória de José da Silva Carvalho na Família", falando da importância da manutenção, pelos descendentes, da casa em Vila Dianteira. O lar da família - utilizado por várias gerações - foi referido pelo trineto de Silva Carvalho, como o elemento aglutinador da memória, que contribuiu para manter vivo na família o legado de Silva Carvalho. Nuno de Siqueira deu, igualmente, a conhecer a linha genealógica dos descendentes de Silva Carvalho, que deixou três filhas, sendo a descente direta de Nuno de Siqueira "a avó Camila". A agenda prosseguiu, na freguesia de São João de Areias, com uma visita à igreja matriz, onde Silva Carvalho foi batizado, numa deslocação que veio a propósito da frase que acompanhou a sucessiva recusa de Silva Carvalho de títulos de nobreza. O estadista afirmava que, na sua lápide, apenas queria que fosse inscrito o nome com que foi batizado. Na visita ao templo, o coordenador das comemorações, António Neves, deu conta do estilo e características arquitetónicas, falando ainda do envolvimento de familiares de Silva Carvalho no processo de construção da igreja e da capela de São Silvestre, em Vila Dianteira.

A Banda Filarmónica de São João de Areias acompanhou esta visita a Vila Dianteira, que culminou com um passeio pelos jardins da casa da família de Silva Carvalho, durante a qual foram dados a conhecer alguns pormenores arquitetónicos da habitação, que foram mantidos. O ponto alto foi a visita a uma das lojas, possível localização do esconderijo de Silva Carvalho, onde foi colocado um apontamento cénico, evocativo do local de refúgio do estadista.
No final do colóquio, e ainda nos jardins da Casa de Silva Carvalho, intervieram o coordenador das comemorações, António Neves, o presidente da Junta de Freguesia de São João de Areias, Alfredo Hervet, o presidente da Câmara, Leonel Gouveia, e o vice-presidente, Agostinho Marques, que salientaram a importância desta celebração marcante da personalidade de José da Silva Carvalho e de uma época estruturante, que trouxe ao país os valores essenciais da liberdade, igualdade e fraternidade e a separação de poderes. Os agradecimentos foram endereçados aos oradores, participantes e entidades parceiras, bem como à família de José da Silva Carvalho que possibilitou esta viagem única pela história de vida do político liberal. O papel do coordenador das comemorações - António Neves - que já tinha sido um dos impulsionadores da comemoração do bicentenário do nascimento de Silva Carvalho foi considerado, pelos demais intervenientes, como fulcral para a construção de um programa evocativo de excelência, que decerto vai contribuir para perpetuar o legado deste ilustre santacombadense.